
Há algumas semanas, envolvi-me em uma discussão com minha filha, psicologa desde o primeiro semestre, que trouxe uma nova perspectiva sobre a autoria de imagens geradas por prompts. Eu, de forma ingênua, defendia que a propriedade autoral dessas imagens era minha, uma vez que eu havia escrito as descrições que originaram as criações visuais. Contudo, ao buscar informações mais detalhadas sobre o assunto, percebi que essa questão é muito mais complexa do que aparenta. Nos parágrafos a seguir, explorarei a legalidade dos prompts, quem é o verdadeiro autor dessas imagens, e como isso impacta o campo da fotografia.
Nas últimas décadas, as imagens assumiram um protagonismo sem precedentes na comunicação e na expressão humana. As redes sociais e a digitalização da informação colocaram a fotografia e outros meios visuais no centro da maneira como interpretamos e interagimos com o mundo. No entanto, com o surgimento de ferramentas de inteligência artificial que utilizam prompts — descrições textuais para gerar imagens — o panorama da produção de imagens mudou drasticamente. Hoje, é possível criar fotografias, montagens e composições complexas a partir de descrições verbais, o que levanta questões legais, éticas e estéticas, principalmente em relação à fotografia e ao direito autoral.
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Roland Barthes, em seu icônico livro A Câmara Clara, oferece uma análise profunda da natureza da fotografia. Ele examina a fotografia documental, destacando os elementos que compõem uma imagem: o fotógrafo, o espectador e o alvo fotografado. Para Barthes, a fotografia é mais do que um simples registro; ela possui um poder subjetivo de tocar emocionalmente o espectador, evocando sensações e significados que transcendem o momento capturado. No entanto, com o advento dos prompts de geração de imagens, a relação entre fotógrafo, espectador e alvo começa a se desintegrar ou, ao menos, se transformar.
Enquanto a fotografia tradicional envolve a captura de um momento real através da lente de uma câmera, os prompts para geração de imagens operam a partir da textualidade. O texto se transforma em imagem, criando composições que podem tanto reproduzir elementos da realidade quanto embarcar em representações imaginárias ou fictícias. Isso coloca em xeque a noção de autenticidade e documentalidade, um dos pilares da fotografia conforme descrito por Barthes.
Um dos grandes dilemas atuais é a questão de autoria e direitos autorais. No caso de uma fotografia tradicional, o fotógrafo é amplamente reconhecido como o criador da imagem. Ele detém os direitos sobre a obra, pois foi ele quem capturou e escolheu o momento, a composição e outros aspectos criativos. Contudo, no caso de uma imagem gerada por prompts, o cenário se torna muito mais nebuloso. Quem é o verdadeiro criador? A pessoa que escreveu o prompt? O algoritmo que processou essa descrição? Ou a empresa que desenvolveu o software?
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Do ponto de vista legal, ainda há muitas incertezas em relação à atribuição de autoria nesse novo contexto. Em muitos países, as leis de direitos autorais estão começando a abordar a produção de imagens por inteligência artificial, mas o debate está longe de ser resolvido. Em alguns casos, discute-se a ideia de que a pessoa que cria o prompt seria o autor da imagem, enquanto, em outros, defende-se que o software ou a IA não pode ser considerada uma entidade criativa, o que gera uma lacuna sobre a propriedade intelectual.
Além disso, surge a preocupação de que imagens geradas por prompts possam infringir direitos de propriedade de obras originais, especialmente se forem baseadas em descrições que replicam ou imitam imagens de fotógrafos reais ou estilos artísticos já estabelecidos.
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A ascensão da criação de imagens por prompts não apenas levanta questões legais, mas também traz implicações profundas para a própria prática da fotografia. Barthes, ao discutir a fotografia em A Câmara Clara, reflete sobre a capacidade única da fotografia de capturar o real e gerar uma conexão emocional com o espectador. A relação entre o fotógrafo e o momento é uma das bases dessa conexão. No entanto, quando a imagem é criada digitalmente a partir de um prompt, essa relação é perdida ou alterada, uma vez que o processo de captura física do momento não existe.
A produção de imagens via prompts desafia o que entendemos como fotografia e arte visual. Fotógrafos que passaram anos aperfeiçoando suas habilidades técnicas e criativas com câmeras, lentes e luz natural ou artificial agora veem um novo concorrente na IA, capaz de criar imagens em segundos. Isso levanta preocupações sobre a sustentabilidade de práticas fotográficas tradicionais, especialmente em áreas comerciais como publicidade e design gráfico, onde a velocidade e a personalização oferecidas pelos prompts podem ser mais atrativas.
Por outro lado, há quem veja essas novas ferramentas como um complemento, e não uma substituição. Assim como a câmera digital não eliminou a fotografia analógica, os prompts de IA não precisam representar o fim da fotografia tradicional. Eles podem oferecer novas formas de expressão e ampliar o alcance da arte visual, permitindo que mais pessoas experimentem com a criação de imagens, mesmo que não tenham habilidades técnicas fotográficas.
No campo acadêmico e nos debates artísticos, o uso de prompts para a criação de imagens está sendo amplamente discutido. Alguns estudiosos defendem que estamos diante de uma revolução comparável à invenção da fotografia no século XIX. Outros, no entanto, veem a prática como uma ameaça à autenticidade e ao papel autoral do fotógrafo. De forma análoga ao que Barthes descreve como punctum — o elemento de uma fotografia que nos “fere” e nos toca emocionalmente —, as imagens geradas por IA muitas vezes falham em atingir essa profundidade emocional, sendo vistas por alguns como criações mais superficiais.
Ainda assim, a arte digital e os prompts de IA ganham popularidade, especialmente em campos como design, marketing e entretenimento. A influência dessas novas tecnologias sobre a produção de imagens e o papel da fotografia como meio documental e artístico continua a crescer, exigindo que fotógrafos, acadêmicos e legisladores reavaliem o que significa criar, ver e interpretar imagens.
A criação de imagens por prompts coloca em debate questões profundas sobre autoria, legalidade e o futuro da fotografia. Embora a tecnologia ofereça novas possibilidades criativas, ela também desafia as noções tradicionais de captura fotográfica e autenticidade visual. Como Roland Barthes sugere em A Câmara Clara, a fotografia sempre esteve ligada ao real, ao momento capturado pela câmera. Agora, com os prompts, a criação de imagens se move em uma nova direção, onde o texto se torna a fonte primária de composição visual. Enquanto as leis e regulamentações ainda estão tentando acompanhar essa rápida evolução, é claro que a produção de imagens nunca mais será a mesma.