Carregar uma câmera não é apenas portar um instrumento técnico. É carregar também a responsabilidade de um olhar. Todo ato fotográfico é um gesto de autoria, mesmo que o fotógrafo não o perceba de imediato. Escolher o momento do disparo, o recorte do quadro, o ponto de foco e o tempo de exposição é construir uma leitura de mundo — é dar forma ao que, até então, era informe, contingente, aberto.
A ilusão da “neutralidade” na fotografia é uma das mais persistentes. Acredita-se, muitas vezes, que a imagem fotográfica é uma reprodução fiel do real. Mas esse real já está atravessado por uma série de decisões invisíveis: de onde se olha? O que se exclui? O que se privilegia? Há sempre uma instância ativa por trás da imagem. Mesmo a fotografia documental — que pretende captar o factual — está impregnada por uma intencionalidade estética e ética.
A autoria na fotografia não reside apenas na assinatura ou no estilo reconhecível. Ela está no gesto. Está na suspensão do tempo no instante da escolha. No modo como o fotógrafo se posiciona frente ao mundo, não apenas fisicamente, mas sensivelmente. É possível ver com os olhos, mas é outra coisa ver com a escuta, com a dúvida, com a disposição de se deixar afetar.
O gesto de autoria também se inscreve naquilo que o fotógrafo evita mostrar. Toda imagem tem uma borda, uma moldura, e aquilo que fica de fora também é uma decisão. A ausência, nesse sentido, pode ser tão poderosa quanto a presença. A autoria está tanto no que se revela quanto no que se oculta.
É preciso dizer também que esse gesto não é totalmente livre. Ele é moldado por contextos sociais, culturais, históricos. O fotógrafo age dentro de sistemas de linguagem, de convenções visuais, de pressões de mercado ou de censura. Ainda assim, mesmo atravessado por tantas forças, há espaço para o gesto singular. Para a escolha que escapa ao padrão. Para o olhar que não se acomoda.
Fotografar, então, não é só captar a luz. É, antes de tudo, afirmar uma posição no mundo. Um gesto ético e estético que transforma o que é visível em enunciado, que transforma o olhar em linguagem. É nesse gesto, delicado e denso, que a autoria se desenha.