Antes de criticar o sistema, o comportamento de um líder ou de uma nação, é preciso demonstrar que o próprio modo de pensar, agir e viver é, de fato, melhor. Essa exigência é a base de toda crítica autêntica: não basta denunciar, é preciso propor e sustentar. Max Weber já observava que a ação racional; aquela que tem sentido e propósito, é o que diferencia o gesto crítico do mero impulso emocional. Criticar sem coerência prática é atuar sem racionalidade de fins; é reagir ao mundo sem se oferecer a ele como alternativa.

A crítica verdadeira exige consistência, uma forma de ética aplicada. Só há legitimidade quando há correspondência entre o discurso e a prática, entre o ideal e a conduta. É o que distingue o reformador do mero inconformado. A força da crítica não está no que ela destrói, mas no que ela edifica em seu lugar. O pensamento, quando não se faz gesto, se dissolve em retórica. É no terreno da experiência, e não da fala, que as ideias encontram sua medida.
Essa lógica, talvez de modo ainda mais agudo, se manifesta no mundo das empresas. Antes de questionar o modelo de gestão, o estilo de liderança ou a cultura organizacional, é preciso provar, por meio de resultados e atitudes, que há outro caminho possível. Dentro da teoria administrativa, Peter Drucker já apontava que “a cultura come a estratégia no café da manhã”, ou seja, as ideias só sobrevivem quando se traduzem em prática concreta. O discurso de inovação, de ética ou de propósito, se não é vivido cotidianamente, é apenas retórica empresarial.
Nas organizações, o conceito de liderança autêntica, desenvolvido por Bill George, reforça essa coerência entre fala e ação. O líder não se impõe por autoridade formal, mas pela integridade percebida: ele inspira confiança porque há correspondência entre o que diz e o que faz. É isso que dá legitimidade às suas decisões. A gestão moderna, sobretudo após os estudos de Edgar Schein sobre cultura organizacional, entende que os valores corporativos não são slogans, são práticas diárias. A crítica, nesse contexto, só se torna válida quando é acompanhada de resultado, de entrega e de exemplo.
Mas mesmo quando um novo modelo se prova mais eficaz, há resistência. As organizações, como as sociedades, têm memória, hábitos e medos. Mudanças desafiam zonas de conforto e ameaçam as estruturas de poder invisíveis. A prova de uma ideia, dentro das empresas, é também uma prova de coragem. Requer consistência emocional e capacidade de lidar com o desconforto.
É nesse ponto que a dimensão psicológica entra em cena. Carl Gustav Jung dizia que “aquilo a que resistimos, persiste”. A resistência à mudança, tanto individual quanto coletiva, nasce do medo de perder a identidade que o hábito constrói. O processo de transformação, seja pessoal ou institucional, exige enfrentar a sombra, o desconhecido que toda renovação traz. Por isso, provar o próprio caminho não é apenas um desafio intelectual ou técnico: é um desafio psíquico. Implica sustentar a coerência diante do olhar desconfiado do outro e, muitas vezes, diante das próprias dúvidas.
No fim, tudo se resume à coerência. A força de uma ideia não está no quanto ela convence, mas no quanto resiste à realidade. As teorias que sobrevivem são as que se tornam práticas; os discursos que permanecem são os que se encarnam. Os verdadeiros transformadores não precisam gritar, bastam existir como evidência. O tempo, esse juiz impassível, sempre acaba por reconhecer o que se sustenta. E é nesse instante que a crítica deixa de ser contestação e se torna legado, quando o que era ideal se transforma em método, e o que era palavra se transforma em exemplo.
Referências Fundamentais:
Max Weber – A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1905) e Economia e Sociedade (1922) — para a fundamentação da ação racional e da ética aplicada à crítica social.
Peter Drucker – The Practice of Management (1954) — para a ideia de que a cultura e a prática superam o discurso estratégico.
Edgar Schein – Organizational Culture and Leadership (1985) — sobre a cultura organizacional como sistema de práticas e valores vividos.
Bill George – Authentic Leadership (2003) — sobre a coerência entre discurso e ação como base da liderança.
Carl Gustav Jung – O Eu e o Inconsciente (1928) — sobre resistência à mudança e integração da sombra.


