A Fotografia Como Acontecimento: Quando o Mundo se Deixa Capturar

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Há algo de silencioso e, ao mesmo tempo, vertiginoso no momento em que levamos a câmera ao rosto. Como se o mundo, por um breve instante, vacilasse , hesitasse em se deixar capturar. E nós, do outro lado da lente, hesitamos também: será este o instante? Este o enquadramento? Este o gesto certo?Fotografar é mais do que registrar. É habitar uma tensão. Uma tensão entre o que se vê e o que se quer mostrar, entre o que está diante de nós e aquilo que só a imagem será capaz de dizer. É um momento em que o real, o subjetivo e o simbólico se entrelaçam num mesmo gesto.

Quando acionamos o obturador, algo se consuma. Mas o que se consuma não é apenas o instante capturado , é o acontecimento do olhar. É a inscrição de uma presença e, paradoxalmente, a revelação de uma ausência. A imagem nasce daquilo que já não está mais ali. Ela é, ao mesmo tempo, testemunho e fantasma. Carrega a evidência do que foi e a impossibilidade de revivê-lo. Esse duplo movimento me fascina. Ao mesmo tempo em que a fotografia parece afirmar o real com uma força inquestionável, “isso aconteceu”, ela também o desloca, o descola de si mesmo. Porque o que ela mostra já passou. Já se foi. A fotografia nos dá o que não pode mais ser tocado. É presença do ausente. Vestígio.

E aí entra uma dimensão que, para mim, é das mais importantes, fotografar é sempre um gesto de escolha. Não apenas técnica, embora o domínio da técnica seja indispensável, mas, sobretudo, uma escolha de sentido. De onde olho? O que corto fora? O que deixo entrar no quadro? Que tempo quero congelar? E por quê? Essas perguntas não são neutras. São atravessadas por tudo aquilo que somos: nossa história, nossos afetos, nossos silêncios. A fotografia não é uma janela limpa para o mundo. Ela é atravessada por nós. Carrega nosso olhar, nossa linguagem, nossas fissuras. Por isso, fotografar é sempre se expor também, mesmo quando quem aparece é o outro.

E há ainda o peso da máquina. A câmera não é uma extensão inofensiva da mão. Ela tem suas regras, seus limites, sua lógica interna. Ela transforma o mundo em imagem segundo seus próprios dispositivos, reduz profundidades, congela tempos, define bordas. Ela não só registra: ela molda. O que parece natural, espontâneo, é na verdade uma construção altamente mediada. Mas talvez o mais potente da fotografia esteja no depois. No momento em que a imagem encontra um olhar. Porque ela nunca termina no ato de ser feita. Ela continua a acontecer quando é vista, lida, sentida. E cada olhar que a atravessa a reinterpreta, a reinscreve, a reanima. A fotografia é um acontecimento que se desdobra ao longo do tempo. Um ponto de origem que nunca se esgota.

Por isso, para mim, fotografar se tornou algo quase ritual. Não um ritual sagrado no sentido místico, mas no sentido de uma atenção radical. De uma escuta do mundo. De um estar presente com o corpo, com a mente e com os sentidos. Cada imagem que produzo carrega essa carga. Muitas vezes me perguntam por que tu demora tanto? elas são é frutos de um encontro. Um encontro entre mim, a máquina e o mundo. E talvez seja por isso que algumas fotografias sobrevivem ao tempo: porque nelas, algo genuíno aconteceu. Fotografar, então, não é apenas capturar a realidade. É produzir um sentido para ela. É produzir um gesto. Um afeto. Uma memória. Uma ausência que insiste em permanecer.

E tudo isso, no breve e profundo intervalo entre o levantar da câmera e o som seco do disparo.

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