A profunda divisão socioeconômica que vivenciamos no Brasil contemporâneo reflete muito além das disputas políticas explícitas; ela está enraizada em concepções históricas e culturais sobre merecimento, oportunidades e desigualdade. Em minha reflexão, observo que essa polarização ganha contornos ainda mais complexos quando olhamos para a relação entre classes sociais, especialmente entre os grupos mais abastados e os mais vulneráveis

Parte significativa da elite econômica brasileira parece nutrir uma percepção de que o progresso do segmento menos favorecido não é legítimo ou “merecido”. Essa mentalidade está impregnada em discursos que naturalizam a desigualdade, segundo os quais o pobre deve permanecer em situação de precariedade para garantir uma suposta estabilidade econômica e social para os outros.
Aqui, o trabalho surge como norma de subjugação, e a remuneração baixa é vista não como um problema estrutural, mas como um destino “justo” para aqueles que não teriam se esforçado o suficiente. Entretanto, os dados econômicos revelam um paradoxo: a riqueza concentrada nas mãos de poucos tem se valorizado de forma exponencial, principalmente através de patrimônios ativos, investimentos e heranças, enquanto a renda do trabalhador comum sofre estagnação ou aumento muito tímido, em termos reais.

Autores como Thomas Piketty destacam essa dinâmica global da concentração de riqueza, que no Brasil se liga a uma herança colonial e a estruturas políticas que favorecem o status quo. Essa percepção de “não merecimento” do pobre pelo rico alimenta uma divisão social que impede avanços coletivos e aprofunda a polarização. Ela sustenta a ideia de que o pobre deve ser “escravo” do sistema, preso na informalidade, em empregos precários, e longe do acesso a direitos e oportunidades.
Essa visão, como apontam estudiosos da sociologia e da política brasileira, também reforça o autoritarismo e dificulta políticas públicas efetivas para a redução das desigualdades. Ao refletir sobre isso, entendo que essa mentalidade precisa ser confrontada com a valorização da dignidade humana e do potencial de transformação social. O crescimento de um país não pode se dar à custa da exclusão ou da exploração de parte significativa de sua população.

Um desafio chave está em desconstruir esses mitos do “merecimento” ligados ao sucesso econômico e cultivar a empatia e a justiça social como bases para um convívio democrático e inclusivo. Precisamos repensar nossas estruturas políticas e sociais e promover a conscientização sobre como a desigualdade afeta a todos, direta ou indiretamente. O Brasil não avançará de forma sustentável sem quebrar essa lógica de exclusão e construir um projeto nacional que valorize, de fato, o avanço social como um direito universal, e não como um privilégio de poucos. Essa é, em minha visão, a tarefa urgente para resgatar a coexistência social, o diálogo e uma convivência mais humana no contexto brasileiro.
Sérgio Nóbrega: Economista, escritor, fotógrafo e estudante de direito