Iluminar uma passarela nunca é apenas acender refletores. É, antes de tudo, compreender o percurso da luz como se fosse o próprio fio condutor da narrativa que ali se desenrola. Quando penso em uma iluminação para desfiles, não enxergo apenas corpos e roupas , vejo atmosferas, ritmos, intenções. Cada foco, cada temperatura de cor, cada sombra tem um papel na dramaturgia silenciosa entre o olhar do público e a materialidade do tecido.
Em primeiro lugar, analiso o espaço físico. A passarela é uma linha de fuga: longa, contínua, quase ritualística. A disposição das luzes precisa respeitar essa linearidade, criando um túnel de claridade homogênea que valorize o caimento das roupas sem criar sombras indesejadas. Normalmente, utilizo luz frontal difusa, disposta em ângulo de 45°, proveniente de uma sequência de refletores tipo Fresnel ou PC (Plano Convexo), instalados ao longo da passarela. Essa angulação é crucial: frontal demais, achata as formas; lateral demais, deforma o corpo.
A intensidade deve ser regulada de forma que o tecido revele textura sem estourar no branco , o famoso “brilho morto” que mata o volume. Costumo trabalhar com temperaturas neutras a frias (entre 4000K e 5600K), que realçam as cores e preservam a fidelidade cromática da coleção. Em desfiles noturnos ou temáticos, posso ousar com contraluzes ou variações de cor, mas sem perder o foco: a luz deve servir à roupa, não competir com ela.
Outro ponto essencial é o equilíbrio entre uniformidade e dinamismo. A passarela não é um palco teatral, mas também não é um corredor clínico. O desafio é manter uma uniformidade suficiente para que cada modelo seja visto com clareza, e, ao mesmo tempo, dar ritmo visual à sequência. Em alguns casos, programo pequenas variações de intensidade acompanhando o som ou o movimento, criando uma respiração luminosa que conversa com o desfile.
Os contrastes laterais e contraluzes são os meus recursos preferidos para dar profundidade. Quando posiciono projetores de recorte (como os ellipsoidais) no fundo da passarela, crio um halo de luz que destaca a silhueta dos modelos e confere um ar quase cinematográfico. É o momento em que a luz se torna cúmplice da criação , ela não apenas revela, mas insinua.
Mas a iluminação de passarela também é técnica pura: envolve cabos, dimmers, controle DMX, e longas horas de teste. O espetáculo começa muito antes da plateia chegar. Testo o percurso de cada modelo, verifico ângulos de sombra no rosto, brilho no tecido e possíveis reflexos. Um simples tecido metalizado pode exigir uma revisão completa no sistema de luz , às vezes, o que funciona para o algodão falha miseravelmente no cetim. É um trabalho de precisão, mas também de sensibilidade.
No fundo, iluminar uma passarela é contar uma história com a luz. É compreender que o corpo que desfila não é o mesmo sob cada lâmpada. A luz não é neutra , ela tem opinião. E, ao projetá-la, eu também projeto um olhar: sobre a moda, sobre o corpo e sobre o próprio ato de ver.
Por isso, quando as luzes se acendem e o primeiro modelo pisa no corredor iluminado, sinto que algo se completa. A luz cumpre seu destino , não apenas revelar, mas fazer vibrar. Cada feixe, cada sombra, cada reflexo é um fragmento de um discurso visual que fala sem palavras. E, no fim, é ali, sob aquele túnel de claridade e expectativa, que percebo: a passarela é uma extensão do olhar, e a luz, o idioma com que esse olhar se escreve.