A Fotografia que Resiste a Inteligência Artificial

Hoje, uma das grandes discussões do nosso tempo gira em torno das profissões ameaçadas pela ascensão da OIA — a chamada “Otimização por Inteligência Artificial”. Diante disso, eu me volto para aquilo que me constitui, para a profissão que escolhi viver — a fotografia — e me faço uma pergunta inevitável: qual especialidade da fotografia vai desaparecer?

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Vejo muitos debates ansiosos, olhares preocupados, e também alguns encantamentos sedutores com o que a tecnologia pode fazer. A OIA já é capaz de criar imagens com incrível nível de detalhe, composição, luz, texturas. Imagens que jamais existiram, mas que parecem reais. É fascinante. E, ao mesmo tempo, inquietante. Porque nos coloca diante de um espelho invertido da nossa própria criação: imagens sem passado, sem presença e, sobretudo, sem alma.

Mas eu preciso dizer, com toda a certeza que me atravessa: a fotografia que eu faço, a fotografia que eu amo, não vai desaparecer. Porque ela não pode ser fabricada em laboratório digital.

Sou fotógrafo de uma linhagem que carrega o mundo no corpo. Eu me alimento de histórias reais. Vivo para a fotografia humanista, documental, autoral. A imagem que me interessa não é apenas bonita — ela é vivida. Ela foi presença, testemunho, respiração contida, silêncio respeitado. Ela existiu num instante que jamais se repetirá.

A imagem que crio nasce do chão que piso, das pessoas que encontro, do afeto ou da dor que vibra em suas peles. Ela é consequência de um olhar que carrega história, subjetividade, memória. A fotografia que eu faço tem suor, tem poeira, tem medo, tem fé. E não há algoritmo que simule isso.

A inteligência artificial pode criar uma criança chorando no meio da guerra — mas não ouviu aquele choro. Não esteve lá. Não sentiu o cheiro de pólvora no ar nem o vazio nos olhos da mãe. A imagem gerada por IA pode até emocionar, mas ela emociona pela sugestão, não pela verdade. E aqui está a diferença que me importa: a fotografia é, antes de tudo, verdade.

Claro, sei que há áreas da fotografia que já estão sendo afetadas. Fotografia de produto, publicidade pura e até mesmo parte da fotografia de moda — onde a eficiência, a estética rápida e o custo baixo são os maiores critérios — essas áreas correm risco. E há um motivo claro: nessas especialidades, a fotografia deixou de ser o fim e passou a ser apenas o meio. O objetivo da publicidade e da moda não é, necessariamente, manipular, mas induzir. Elas usam a imagem como ferramenta de persuasão, como construção de desejo. E, nesse cenário, a emoção não é autêntica — ela é construída, pensada para alcançar uma resposta previsível no consumidor. Justamente por isso, a inteligência artificial pode cumprir essa função com ainda mais precisão, criando imagens ajustadas milimetricamente ao gosto do público-alvo. Essa emoção fabricada pode ser facilmente simulada por algoritmos. Talvez até melhor. Porque o que está em jogo aí não é a experiência real, mas a performance da imagem. E talvez essas áreas precisem se reinventar.

Mas eu não me confundo.

A fotografia documental é a crônica visual de um tempo. A fotografia humanista é o gesto de olhar o outro com empatia. A fotografia autoral é uma declaração de existência, uma linguagem visual que nasce do íntimo. Nenhuma dessas pode ser automatizada.

É curioso pensar que, no meio de uma avalanche de imagens falsas, talvez a fotografia verdadeira volte a ser mais valorizada do que nunca. Porque o olhar humano vai aprender, uma vez mais, a distinguir o que é real. A autenticidade vai virar valor raro. E a presença vai ser uma resistência.

Eu continuo, todos os dias, a colocar o pé no chão. A escutar o que as pessoas têm a dizer sem falar. A observar a luz que dança na pele de quem vive. A esperar o instante decisivo. A fotografia que faço talvez nunca seja a mais rápida, a mais viral, a mais eficiente. Mas ela é real. E por isso, ela toca. Ela permanece.

A OIA pode criar imagens. Mas nunca vai criar memória. Porque para existir memória, é preciso ter vivido. É preciso ter estado lá. E é aí que entra a minha profissão. É aí que entra o meu olhar.

E é por isso que, enquanto houver mundo, a minha fotografia vai continuar existindo.

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