Ao longo da vida, as escolhas que fazemos moldam nosso caminho e nos conduzem ao ponto onde estamos hoje. Nada disso é coincidência. Vivemos em uma era onde figuras influentes, muitas vezes caricatas, surgem com discursos que se colocam contra o sistema, pregando uma rejeição a um modelo que, para muitos, já não faz sentido. Essas figuras não estão apenas ecoando um sentimento generalizado de insatisfação; elas estão canalizando o que muitos sentem em relação ao sistema em que vivem. Mas, afinal, de que sistema estamos falando?

O cansaço das pessoas não está relacionado a ideologias como o comunismo ou o socialismo. O sistema que gera essa exaustão é aquele em que se trabalha incansavelmente, apenas para ver o mérito ir para outro. É um sistema onde os filhos são perdidos para o tráfico, para a criminalidade e para a violência — todos produtos desse mesmo sistema que rege nossas vidas. Reforçando: este sistema não é o socialismo.
O problema maior é que, ao observar os candidatos atuais e a grande mídia, percebe-se que o que se defende é, na verdade, uma atualização desse mesmo sistema. São propostas de reformas superficiais, que mantêm as estruturas intactas. Apesar de muitos se posicionarem como opositores do sistema, na verdade, estão profundamente alinhados a ele.
Conversando com amigos, escuto críticas sobre o aumento de impostos, a criminalidade crescente e outros problemas sistêmicos. No entanto, vejo que muitos alimentam e dependem desse mesmo sistema que criticam. Um exemplo claro é a questão da privatização das empresas públicas, que muitos veem como a solução para um “governo mais leve”. Mas, quem realmente se beneficia com isso? Você, leitor, já sentiu algum benefício? E os trabalhadores dessas grandes empresas? A realidade é que, em muitos países desenvolvidos, há um movimento de recompra de empresas anteriormente privatizadas, pois os lucros exorbitantes acabam nas mãos de acionistas, enquanto o prejuízo recai sobre o Estado.
No período pós-guerra, uma das estratégias mais eficazes foi a taxação dos muito ricos. Hoje, no entanto, propor algo semelhante é visto como crime ou utopia. Incrivelmente, até os mais pobres e trabalhadores são levados a acreditar que essas medidas seriam ineficazes ou prejudiciais.
A insatisfação com o sistema é legítima, mas é essencial que as soluções propostas não sejam meros paliativos, perpetuando um ciclo de exploração e desigualdade. Precisamos repensar nossas escolhas e as estruturas que sustentam a sociedade, buscando alternativas que realmente promovam justiça e bem-estar para todos.

Ao longo dos anos, observei como a sociedade tem se transformado e como, em tempos de crise e desilusão, figuras que se apresentam como “anti-sistema” têm ganhado destaque. Essas figuras surgem em um cenário onde as instituições tradicionais, incluindo a religião, parecem não oferecer mais as respostas necessárias para os dilemas do mundo moderno.
Historicamente, a religião sempre teve um papel central na vida das pessoas. Ela oferecia respostas para questões existenciais, promovia valores morais e servia como uma âncora em tempos de incerteza. No entanto, à medida que o mundo se torna mais complexo e as desigualdades sociais e econômicas se intensificam, é inevitável que as pessoas comecem a questionar o papel da religião e sua capacidade de oferecer soluções concretas para os problemas atuais.
Em muitos casos, a religião, que antes era vista como uma força estabilizadora, passou a ser percebida como parte do próprio sistema que contribui para a manutenção das desigualdades. O poder religioso, quando aliado ao político, muitas vezes parece ser parte de estruturas que beneficiam as elites e mantêm o status quo, enquanto prometem recompensas no além, sem necessariamente oferecer mudanças tangíveis no presente.
Nesse contexto, surgem líderes que se posicionam como “anti-sistema”. Eles aparecem como alternativas à religião tradicional, prometendo não apenas soluções imediatas e temporais, mas também a subversão completa do sistema. Essas figuras conseguem capturar o imaginário popular ao se apresentarem como outsiders, aqueles que estão dispostos a enfrentar os poderes estabelecidos e trazer uma mudança real. Eles canalizam a insatisfação e o descontentamento das massas, que se sentem traídas por instituições que deveriam protegê-las e guiá-las, mas que, em vez disso, parecem coniventes com as injustiças do mundo.
A religião, em muitos casos, pode ter contribuído para a ascensão desses “anti-sistemas” ao não conseguir se adaptar às necessidades e expectativas das pessoas em tempos de crise. Quando as promessas de salvação espiritual se tornam insuficientes para enfrentar as dificuldades materiais e sociais do cotidiano, a busca por novos líderes e novas narrativas se torna inevitável.

No entanto, existe uma ironia nesse processo. Muitas vezes, esses líderes “anti-sistema” acabam reproduzindo as mesmas dinâmicas de poder e opressão que prometem combater. A busca por soluções fáceis e rápidas em um mundo cada vez mais complicado faz com que muitos se apeguem a essas figuras, na esperança de uma mudança que, muitas vezes, nunca chega.
A ascensão desses “anti-sistemas” como salvadores da pátria reflete não apenas o fracasso das instituições religiosas em responder às demandas do presente, mas também a desesperança das pessoas em encontrar soluções dentro do sistema atual. É um ciclo que perpetua a busca incessante por algo novo, por um novo messias que possa, finalmente, trazer a redenção, seja ela espiritual ou material.
Essa reflexão me faz pensar sobre o papel que cada um de nós desempenha nesse cenário. Será que estamos realmente buscando mudanças profundas e significativas, ou estamos apenas correndo atrás de promessas vazias? A resposta talvez esteja em reconhecer a complexidade do mundo em que vivemos e na necessidade de buscar soluções que vão além do discurso fácil e populista. Precisamos de líderes e instituições que estejam realmente comprometidos com a justiça social e com a construção de uma sociedade mais igualitária, onde todos possam ter uma vida digna e plena, sem precisar se apegar a falsas promessas de salvação.
Há 20 anos, venho documentando a festa de São Francisco, um trabalho que tem me permitido observar de perto as transformações na fé e na religiosidade ao longo do tempo. Esse projeto não é apenas um registro da devoção dos participantes, mas também um espelho das mudanças sociais e políticas que moldam essas expressões de fé. Ao longo desses anos, percebi um crescente desejo dos fiéis por respostas divinas para os males da sociedade, ao mesmo tempo em que as religiões neopentecostais ganham força, tentando influenciar os rumos do país. Essa experiência tem sido, para mim, um testemunho vivo da evolução da religiosidade no Brasil contemporâneo.

O desafio de manter uma linguagem fotográfica isenta durante esse processo foi algo que sempre levei muito a sério. Meu objetivo tem sido captar a essência do ato de fé, mas também o contexto social e as tensões que o permeiam. A fotografia contemporânea, ao meu ver, possui um poder imenso: ela não apenas registra momentos, mas também revela verdades complexas, expondo camadas de significados que muitas vezes não são percebidas de imediato.
Ao longo dos anos, tenho usado a fotografia como uma ferramenta para revelar essas verdades de diferentes maneiras:
Revelando Contradições: Um dos aspectos mais fascinantes do meu trabalho tem sido captar a tensão entre a busca espiritual e as realidades sociais. Muitas vezes, ao fotografar a devoção sincera dos fiéis, percebo ao fundo símbolos de poder político ou econômico. Essas imagens acabam questionando a autenticidade das manifestações religiosas, levantando questões sobre as motivações por trás dessas práticas de fé.
Documentando a Transformação da Fé: A evolução da religiosidade é algo que pude acompanhar de perto. Vi como a devoção tradicional foi, aos poucos, sendo substituída por uma busca por respostas imediatas e tangíveis, influenciada pelo avanço do neopentecostalismo. Através da minha lente, pude registrar essa transição, mostrando como a relação dos fiéis com Deus e com a igreja tem se transformado.

Amplificando Vozes Marginalizadas: Em um cenário onde certas religiões buscam dominar o espaço político, minha fotografia tem sido uma forma de dar visibilidade àquelas práticas religiosas que estão sendo silenciadas. Minhas imagens servem como uma plataforma para a diversidade de expressões de fé, mostrando que, mesmo à margem, essas vozes continuam a existir e a resistir.
Questionando a Isenção: A busca por uma linguagem isenta também me levou a uma reflexão crítica. Ao documentar as dinâmicas de poder e as influências externas sobre a religiosidade, minhas fotos começaram a levantar perguntas sobre até que ponto a fé é genuína e onde ela começa a ser moldada por interesses políticos ou econômicos. Essa tensão entre isenção e crítica é algo que tento equilibrar em cada imagem.
Provocando Reflexão: Mais do que um simples registro, minha fotografia busca provocar reflexão. Ao capturar a devoção em meio ao sofrimento social ou a fé como uma resposta a crises, espero que minhas imagens levem o público a questionar a relação entre religião e sociedade. Meu desejo é que essas fotos não apenas mostrem o que está acontecendo, mas que também convidem à reflexão sobre os desafios que essas comunidades enfrentam.
A fotografia, para mim, é mais do que apenas capturar imagens – é uma ferramenta poderosa para atravessar as barreiras do sistema e revelar verdades que muitas vezes são escondidas ou distorcidas por narrativas construídas para manipular e enganar. Vivemos em um mundo onde as informações são cuidadosamente filtradas e moldadas para servir a interesses específicos, e a fotografia tem o potencial de romper essas barreiras ao expor realidades que desafiam essas narrativas.
A força de uma imagem fotográfica está em sua capacidade de se comunicar diretamente com as pessoas, muitas vezes de maneira mais impactante do que palavras ou discursos. Quando registro uma cena de forma crua e honesta, sinto que estou desmantelando as ilusões que são criadas para manipular a percepção pública. Fotografar cenas de injustiça, desigualdade ou resistência me permite expor o verdadeiro estado das coisas, forçando o espectador a confrontar essas realidades, muitas vezes desconfortáveis, mas necessárias.

Acredito que a fotografia também tem o poder de subverter o sistema ao dar voz àqueles que são marginalizados ou silenciados. Quando fotografo comunidades esquecidas, trabalhadores explorados, ou protestos contra o poder estabelecido, sei que essas imagens têm o potencial de criar empatia e solidariedade. Elas mobilizam as pessoas a questionar e, eventualmente, resistir às estruturas opressoras que perpetuam essas condições.
No entanto, sou consciente de que o próprio ato de fotografar pode ser cooptado pelo sistema. Quando utilizado para perpetuar estereótipos ou promover agendas específicas, a fotografia se torna uma ferramenta de manipulação. Por isso, vejo o papel do fotógrafo anti-sistema como crucial. Não basta capturar a realidade – é preciso ser consciente de nosso papel na construção e desconstrução de narrativas. Uso minha câmera como uma arma de resistência, revelando o que está além da superfície, questionando o que nos é apresentado como verdade e desafiando as estruturas que buscam controlar a informação e, por consequência, o poder.

A fotografia tem a capacidade de furar o sistema ao oferecer uma visão não mediada, uma representação direta do que é, em oposição ao que nos dizem que é. Ela desperta a consciência crítica, inspira ações que realmente desafiam o status quo, e oferece uma perspectiva que vai além do superficial, revelando a verdade por trás das narrativas construídas.
Assim, acredito que a fotografia contemporânea, quando usada de maneira crítica e consciente, tem o potencial de revelar a verdade por trás das aparências e das narrativas superficiais. Em um mundo onde fé e política frequentemente se entrelaçam, vejo o meu papel como fotógrafo como crucial para desvendar as complexidades dessa relação. Oferecer ao público uma visão mais completa e honesta do que realmente está em jogo é, para mim, a missão essencial desse trabalho de décadas.E, para mim, essa é a essência da fotografia – um ato de resistência e uma busca incansável pela verdade.