
Sempre me intrigou a força silenciosa que certas cores carregam. Entre todas, o azul sempre me pareceu a mais enigmática — uma cor que não grita, mas sussurra. Um sussurro frio, que ecoa em cantos escuros da alma. Foi quando comecei a fotografar que percebi: o azul não é apenas uma cor. É um estado emocional.
Desde Picasso, em sua fase azul, percebi que artistas recorrem ao azul para mergulhar fundo na tristeza. Há uma razão quase fisiológica para isso — a psicologia das cores nos ensina que o azul escuro nos remete à introspecção, à distância emocional, à ausência. É o oposto do vermelho quente da paixão ou do amarelo vibrante da alegria. O azul é ausência de calor. Talvez, ausência de esperança. E eu me vi ali, muitas vezes, traduzindo vazios interiores em imagens frias, levemente azuladas, como se a lente filtrasse minha própria melancolia.
Fotógrafos como Wolfgang Tillmans foram os primeiros que me mostraram que a melancolia pode ser líquida. Suas imagens da série Freischwimmer parecem ondas emocionais – abstrações em azul que não nomeiam sentimentos, mas os fazem emergir. Ele não fotografa tristeza. Ele a dissolve na luz.

Depois conheci Nan Goldin, e com ela, aprendi que o azul também pode ser neon, suado, noturno. Em The Ballad of Sexual Dependency, seus retratos azuis não romantizam o sofrimento – eles o escancaram. São quartos apertados, olhos marejados, corpos cansados, iluminados por aquela frieza azul que já vi em espelhos meus. Com ela entendi que tristeza e afeto muitas vezes habitam o mesmo espaço.


E então veio Gregory Crewdson, um diretor de fotografia da dor suburbana. Seus cenários congelados em tons azuis são como sonhos que viraram pesadelos lentos. As casas vazias, os rostos sem fala, tudo é cuidadosamente banhado de uma luz azulada que nunca é acidental. É proposital. É controle emocional transformado em atmosfera.

Mas foi com Francesca Woodman que a cor deixou de ser cenário e passou a ser identidade. Em Blue Room, o azul é a própria carne da fotografia. Ela mesma parece se dissolver nele. Como se a tristeza fosse tanta que o corpo deixasse de resistir. O azul, aqui, vira linguagem de despersonalização. De quem não sabe mais onde termina o quarto e começa o corpo.

Há algo de profundamente urbano e moderno nos azuis de Daido Moriyama, mesmo que ele seja mais conhecido pelo preto e branco. Em sua série Colors, o azul saturado da cidade é um grito abafado. Sozinho, entre multidões, ele nos mostra como o concreto também chora. E Sally Mann, por fim, nos lembra que o azul também toca a pele. Em Proud Flesh, ele marca corpos em decadência – não com violência, mas com poesia. O azul envelhece com beleza. E morre com dignidade.

Não é coincidência que Derek Jarman, em seus últimos dias, tenha feito do azul a única imagem possível. Seu filme Blueé uma tela azul por 79 minutos – o silêncio visual de alguém que está perdendo a visão, mas não a memória emocional. Ele nos convida a fechar os olhos e ver com o coração. E tudo ali é azul.
Hoje, cada vez que escolho tons frios para minhas imagens, sei que estou me conectando a essa tradição emocional da arte. Não fotografo o azul apenas porque é bonito. Fotografo porque ele me entende. Porque ele diz, em silêncio, o que às vezes não consigo dizer com palavras.