minha vó

A fotografia que a IA não alcança

A foto em destaque nesse texto é da minha avó. Ela estava viva quando a fiz. Falou comigo. Me olhou. E ali, naquele instante capturado, firmou-se um pacto silencioso entre nós: o da lembrança. Essa imagem, por mais simples que pareça, carrega algo que nenhuma inteligência artificial, por mais avançada, poderá jamais produzir — o punctum. A ferida que Barthes descreve, aquela pontada de dor e ternura, só existe porque eu a amei e fui amado por ela.

Roland Barthes, em A Câmara Clara, nos ensina que há algo na fotografia que vai além da técnica e da estética. Ele chama de studium o campo do saber e da leitura cultural — o que entendemos da imagem. Mas é o punctum que nos atravessa. É ele que transforma uma fotografia em algo insubstituível. O punctum da foto da minha avó não está apenas no gesto, na luz ou no enquadramento — está na memória de sua voz, no cheiro da costura, no caminho que fez do interior do Maranhão até Fortaleza.

A inteligência artificial pode replicar técnicas, simular estilos, até mesmo gerar imagens hiper-realistas de uma “avó genérica”, baseada em milhares de bancos de dados. Mas o que ela não pode fazer é me ferir. Não pode evocar em mim a lágrima silenciosa que escorre quando revejo esse retrato. Ela não pode trazer de volta o momento em que a vida pulsava ali — pois a IA não viveu comigo, não ouviu sua risada, não recebeu seu carinho.

Barthes também fala sobre o efeito de real: aquela ilusão poderosa que a fotografia tem de nos colocar frente ao que foi. E essa é a diferença crucial. A IA cria uma ilusão de algo que nunca aconteceu. A fotografia verdadeira — como a da minha avó — é a presença do que aconteceu. E mesmo que ela hoje esteja ausente, o que foi vivido continua ali. Essa foto é a prova.

Por isso, nenhuma IA será capaz de substituir esse tipo de imagem. Porque ela não é feita de pixels, nem de algoritmos. É feita de amor. De perda. De permanência. De morte e de vida — como Barthes tão bem disse. E enquanto houver um coração que pulsa por alguém que partiu, haverá uma fotografia insubstituível. Como a da minha avó. Como a da mãe de Barthes. Como tantas outras que, em silêncio, continuam dizendo: “Eu estive aqui. E fui amada.”

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