A arte sempre ocupou um lugar incômodo para projetos autoritários. Ela não se limita a adornar o mundo ou a entreter; ela produz pensamento, desloca certezas, rompe consensos artificiais. Onde a arte circula livremente, o poder precisa conviver com a dúvida, com a ambiguidade e com a crítica. É justamente por isso que regimes autoritários , e, de modo particular, a extrema direita , historicamente a tratam como ameaça.
A extrema direita depende de um discurso único, simplificador e moralizante. Sua força política não nasce da complexidade, mas da repetição. Ela precisa de verdades absolutas, inimigos fixos e narrativas lineares. A arte, por sua própria natureza, desorganiza esse funcionamento. Ela expõe contradições, revela fissuras, mostra que o mundo não cabe em slogans. Ao fazer isso, retira do poder a ilusão de controle total sobre o imaginário coletivo
No Brasil, essa dinâmica ficou evidente durante o governo Bolsonaro. O ataque à arte não foi episódico nem fruto de incompreensão cultural, mas parte de uma estratégia política clara. Cortes sistemáticos de recursos, desmonte de políticas culturais, perseguição simbólica a artistas, tentativas de censura e deslegitimação da produção artística revelaram uma postura coerente com o ideário da extrema direita: enfraquecer tudo aquilo que produz pensamento crítico.
Bolsonaro, enquanto liderança clássica desse campo político no Brasil, sempre demonstrou hostilidade à arte porque ela ameaça a base de sustentação do autoritarismo. A arte lembra que a realidade é construída, que a história não é neutra e que a identidade nacional não é homogênea. Ela questiona mitos fundadores, desmonta narrativas heroicas e dá voz ao que o poder prefere silenciar. Para projetos autoritários, isso é intolerável.
Ditadores e aspirantes a ditadores compartilham um medo comum: o medo da imaginação. Imaginar é perigoso porque permite conceber outros mundos possíveis, outras formas de organização social, outras relações de poder. A arte não apenas imagina , ela materializa essas possibilidades em imagens, sons, corpos e palavras. Ao fazer isso, ela amplia o horizonte do pensável, algo que o autoritarismo precisa restringir para sobreviver.
Além disso, a arte opera como memória viva. Ela registra violências, traumas, exclusões e resistências que o discurso oficial tenta apagar. Funciona como um instrumento histórico contra o esquecimento e contra a versão única dos fatos. Por isso regimes autoritários preferem a propaganda à criação, o monumento rígido à obra aberta, o espetáculo do poder à experiência estética crítica.
A desvalorização da arte pela extrema direita não é, portanto, um acaso nem uma questão de gosto pessoal. Trata-se de uma estratégia de controle simbólico. Atacar a arte é atacar a capacidade da sociedade de pensar, de questionar e de imaginar. É empobrecer o debate público para facilitar a dominação.
Enquanto a arte existir, existirão perguntas. E enquanto houver perguntas, nenhum projeto autoritário, por mais barulhento que seja; estará verdadeiramente seguro.
