bebe de verdade

Não está tudo bem, um Retrato cru do nosso tempo.

Essa foi, sinceramente, uma semana que me espantou. E não falo apenas de acontecimentos isolados, mas de um acúmulo de sinais que me fez perceber com ainda mais clareza: nossa sociedade está doente. E embora eu não queira aqui tentar diagnosticar todas as causas dessa doença — porque são muitas e complexas —, há sintomas visíveis, assustadores, e que não podem mais ser ignorados.

Um dos episódios que mais me causou estranhamento foi o depoimento da influenciadora Virginia Fonseca na CPI das apostas esportivas. Não se tratava ali de apenas prestar esclarecimentos sobre publicidade e jogos de azar — o que por si só já é um tema delicado —, mas sim da forma como tudo foi conduzido: um espetáculo. Uma CPI transformada em passarela de likes, flashes e afagos. Uma audiência pública, dentro do Senado Federal, sendo tratada como palco de reality show. Isso diz muito sobre onde estamos e o que valorizamos hoje. A imagem substituiu o conteúdo. O carisma superou o compromisso. E no centro de tudo isso, está o povo, distraído, enganado, consumido por um sistema que transforma tudo em entretenimento — até a tragédia.

Mas não foi só isso que me espantou. Esta também foi a semana em que vi, nas redes sociais e em reportagens, mães exigindo prioridade no SUS , em espaços públicos e filas de supermercados, por estarem com seus bebês reborn — bonecas hiper-realistas que imitam bebês humanos. Não estou aqui para julgar essas mulheres individualmente. O que me espanta não são os bonecos em si, nem o afeto simbólico que elas depositam ali, mas sim o que tudo isso revela sobre o grau de adoecimento emocional e afetivo ao qual chegamos como sociedade.

Essas mulheres pedem espaço, fila preferencial, atenção médica para bonecas de silicone. E isso não é um fenômeno isolado ou exótico — é sintoma. Sintoma de solidão, de carência, de um mundo tão desumanizado que algumas pessoas criam vínculos profundos com aquilo que não pode decepcioná-las, como uma boneca, porque talvez o mundo real tenha se tornado insuportável demais. E por mais que pareça absurdo, talvez o mais triste seja isso: que essas bonecas, para algumas, ofereçam mais acolhimento do que as próprias relações humanas.

A isso se soma o que considero um dos maiores males do nosso tempo: a polarização política, a briga constante entre direita e esquerda. E aqui, falo com a experiência de quem já se viu, inclusive, envolvido emocionalmente nisso. Tenho amigos, familiares, pessoas queridas com quem hoje já não se pode conversar sem que a raiva tome o lugar do diálogo. É um cenário de manipulação tão bem arquitetado que nos fez esquecer do que realmente importa. Brigamos por partidos e figuras públicas como se fossem parentes. Transformamos adversários em inimigos e perdemos a capacidade de escutar.

E, enquanto isso, o Brasil real segue em ruínas. A juventude pobre continua sem acesso a uma educação digna. A escola pública falha. Os adolescentes são empurrados à adultização precoce. O vício em apostas, em drogas, em redes sociais, se alastra. E quando olhamos para as universidades públicas — que deveriam ser instrumento de ascensão para os mais pobres —, vemos que a maioria das vagas são ocupadas pelos que vêm de colégios privados.

Como disse à minha filha Letícia recentemente, em conversa sobre seu trabalho na área da Psicologia Escolar, os filhos da classe média e Rica deveriam estar nas universidades pagas, porque são os únicos que podem. Já os filhos dos pobres, que têm poucas chances de ascensão social, mal conseguem sonhar. A preparação é desigual, o acesso é desigual, e mesmo assim vendem a ilusão de que vivemos uma meritocracia.

E o resultado disso tudo é esse: uma sociedade esgotada, adoecida, emocionalmente desorientada. Onde o Senado é palco, a escola é campo de guerra, o hospital é cenário de afeto simbólico para bonecas, e as redes sociais são tribunal.

Escrevo este texto como um desabafo. Como pai, como cidadão, como alguém que ainda acredita.Não é normal o que estamos vivendo. E fingir que é, ou fazer piada com isso tudo, só agrava a ferida. Precisamos reaprender a olhar uns para os outros. Precisamos sair da lógica do espetáculo. E, em meio a essa semana confusa, é impossível não lembrar de alguém como Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, que viveu a dor real: passou anos preso, foi torturado, viu seu país em ruínas. E ainda assim, ao assumir o poder, escolheu viver com simplicidade, doar seu salário, rejeitar luxo e governar com ética e compaixão, como um verdadeiro servidor público. Mujica nunca usou a política para se autopromover, nunca buscou idolatria, não quis palácios, não se refugiou atrás de seguranças ou de narrativas falsas. Ele acreditava, com todas as forças, que o papel de um líder é cuidar do povo — e não usar o povo como escada. Como meu Pai , Pepe não era otário, bobo ou um Dom quixote numa cruzada impossível, Era sim um ser Humano especial.

Compare isso aos líderes de hoje: cercados de vaidade, mergulhados em escândalos, alimentando guerras ideológicas enquanto o país afunda. Gente que prefere manipular do que dialogar, que transforma cargos públicos em tronos, e que finge ouvir enquanto pensa nos interesses pessoais. Onde estão os Mujicas, de hoje? Onde estão os líderes que sentem o peso do cargo como um chamado, e não como um privilégio?

Pela semana que vivemos, seguiremos doentes — como sociedade e como indivíduos. Talvez ainda haja tempo. Mas não muito, pense nisso.

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